quarta-feira, 16 de abril de 2008

Passado.

Passou o dia
E os postes que iluminam

Passou a chuva
Com pressa

Passou o chão
Em lágrimas

Passou o bêbado
Na rua tremida

Passou a puta
Na esquina sozinha

Passou o meio fio
Que virou um

Passou a criança
Com fome

Passou o velho
Querendo voltar

Passou a dona
Cheia de brilho

Passou a placa
Pichada

Passou o passado

E o cheiro de molhado
Sobe no asfalto.




Julia Duarte.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Entregue.

Entregue você
O que tem de mais valioso

Entregue um beijo

Entregue uma palavra
Sem dor

Um convite
Para ir ao aeroporto
E sonhar

Entregue você
O que guardou durante anos

Esvazie

Entregue um giz de cera
Colorido

Entregue a janela
Aberta

Entregue um filme
Sem legenda

Se entregue

Abra os braços
No abraço

Entregue um tempo
Qualquer

Depois
Preencha tudo de novo


Julia Duarte

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Fica comigo.

Beija-me
Abraça-me

Me sinto bem assim
Com você

Acena
do teu amor
para o meu

Porque eu também amo
Sabia?

Mesmo depois
De cair
no engano da vida mansa

Dança
Comigo a poesia dos lábios

A chegada
Da carne quente

Ausente de qualquer lágrima

Um presente
É você

Cada vez que abre os olhos
Entra em mim

Em um mar sem fim
Me afogo no desejo

Tiro o pó da alma
Busco o ar
Encontro seus olhos no alto

Para você
Que visitou minha solidão

E lá ficou
Sem pressa

Na companhia
Dos passos

E como eu gosto.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Dois pra lá

Eu era uma zebra
Preto no branco
Branco no preto

Cor sim
Cor não

Beijava o vento
Deitava na grama
Corria sem dó

De ser só

Pulei a cerca
Desfiz o vestido da moça
Adormecida de susto

Fugi da baia

Sequei a saliva
De tanto correr
De tanto querer morrer

Não é fácil
Viver pela metade
Chorar de saudade

Mandei telegramas
E nada descobri
Órfão desde sempre

Chorei

Zoológico
É o Carandiru dos animais
Morri de mim

Encontrei o menino
Que me ensinou a dançar
Dois pra lá, dois pra cá

E comecei a viver
No circo

E lá
Trabalhava um mágico
Que também era empacotador de supermercado

Ela fazia tudo desaparecer

Implorei
Mas ele negou
Paguei
Mas ele não aceitou

Decidi

Dar uma de equilibrista

Herdei ainda mais listras
Marcas da rede de proteção

Que me devolveu
Para sempre

Deu zebra.