quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Futuro óbvio.

Escrevo ao acaso
que reserva o céu da sua boca
depois de um encontro arrependido.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A fantasia de todos os dias.

Em palavras tímidas
escapam promessas
doloridas
de infidelidade

É no disfarce da maquiagem
que se esconde o rosto
áspero
cheio de marcas

A altura
se muda do corpo
conforme
o tamanho do salto

Os caracóis esticados
alongam as vértebras
de um fio
de cabelo

Uma cor forte
esconde a sujeira
embaixo
da unha

O compromisso
com o que sai da boa
muda
se a boca veste um batom

O que mais
uma mulher em seu eterno centro
poderia querer
além da verdade?

A mentira.


Julia Duarte.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Quando o impulso vem.

Afogado
o pudor bate a porta
depois de sair

Me faço
em pernas opostas
e abertas

No escuro
as molduras ganham
em espessura


Julia Duarte

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Consciência.

Não tenho a consciência
sempre ao lado

Muito menos ouvido
para tantas palavras minhas

que deslizam
boca à fora

Sou em paralelo
o que ainda não sei

É preciso uma reunião
na frente do espelho

E ver nascer nas linhas do rosto
o sentimento de um intérprete

Se enxergar personagem
é dar forma ao que fica preso no nada.


Julia Duarte.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Existe

Existe uma tristeza
apesar da união

Uma certeza
nascida da consciência
de um dia ter chorado

Uma clareza
de me descobrir só
no meio de tanta euforia

Em jantares
e aniversários
sem fotos ou discursos

Existe uma tristeza
apesar da esperança.



Julia Duarte.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A espera

Ela vive assim

Implora paciência
Ajoelhada em cima da espuma
para fugir do repuxo

Reza solidão
mordendo um terço
cheio de água salgada

A espera
E mais nada

Sua vida
é a garantia
de uma paz adiada

Sua energia
é escassa
e dolorida em cada ponta

do corpo
saem estrelas de chumbo
que pesam as pontas dos cabelos

uma trança
de esperança
e a tontura de um litro de vinho

estragado

A espera
dela
é a minha dor

A vida dela
é a minha pauta

A vida dela
é a minha

Porque ela é minha
e dos meus irmãos.



Julia Duarte.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O que eu tenho.

Tenho uma alegria
tímida

Um alívio
na fila de espera

Uma palavra
para um amigo

E outras tantas
escondidas

Tenho poetas
empilhados

Traços
declarados

Uma família
para atender

E uma folha de papel
para me ouvir.


Julia Duarte.

sábado, 4 de abril de 2009

No dia que o Diabo olhar para mim.

Mudo
Com tudo que carrego no bolso:
um par de luvas,
um caderno e dois terços.

Um terço é para pedir
o outro, para agradecer.
De joelhos
em cima da capa-dura.

Quando as luvas
Abraçam os dedos
Prorrogo
as marcas das digitais

Pelo menos
Até que as dobradiças façam reverência
As portas se abram
E o tapete se alongue no chão

Quero um jardim
Cheio de plantas
E sombras

Uma carruagem
Cheia de cavalos
E convidados.

Quero servos
Sem cérebros
E dentes

Uma dama de honra
Com a bandeja na extensão do braço
Oferecendo-me

A minha coroa.



Julia Duarte.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Sou

Sou a cabeça
encostada na parede

Sou os braços
cruzados em cima do sofá

Sou as pernas
embaixo do chuveiro

Sou o fio de cabelo
no travesseiro quente

Sou a boca
dentro da geladeira

Sou os dedos
que dançam no piano

Sou os pedaços
que engolem espaços

Soltos no ar

Sou a promessa
escrita na mesa

Sou o diálogo
antes de dormir

Sou o que já fui
mas também ou que vou ser

Sou pela metade
do caminho

Sou a desconstrução.


Julia Duarte.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Ainda não sei quando vou voltar.

Foram dias
e noites

Anos
e anos

Eu me encolhi

Não foi de frio
Não foi de sono

Foi de medo

Meus ossos convidaram
a carne
para entrar

Aprisionando
o calor que movia o contorno

Da estrurura
balançada

A vergonha
intimida a coragem

Desfaz luzes
e espelhos

A pálpebra
esconde o brilho do olho


como um cobertor

que esconde

um corpo gelado.



Julia Duarte.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Tempo

Me procuro nas rugas das mãos
Na linha da vida
(que nunca soube qual era)
Nos anéis
que envelhecem com os dedos

Me procuro
no reflexo da janela
fechada
No relógio de pulso
parado

Me procuro
Nos segundos
De um tempo
que despenca
e me falta

Me encontro
ajoelhada
em um canto de mim
rezando
em silêncio

implorando
para que a luz não venha
e eu não corra o risco
de me enxergar
velha

E que se espalhem
as cinzas
da minha juventude.



Julia Duarte.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Eu digo.

Eu digo
e não acredito

Eu digo
e repito baixinho

Eu digo
e ouço a voz tímida e trêmula

Eu digo
pra mim mesma

Eu digo
de novo

Eu digo
e ainda não acredito

Eu digo
um pouco mais alto

Eu grito
e me jogam tomates

Eu grito
e me acusam de mentirosa

Eu grito
e tentam pregar meus lábios

Eu grito
E muitos ensurdecem

Eu grito de novo
e a mentira vira verdade

Julia Duarte.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Daqui de cima.

O mundo gira
Gira mundo

Do meu pranto
Se faz
a chuva

Do meu passo-largo
Se faz
o trovão

Do meu sexo
Se faz
o terremoto

Do meu assobio
Se faz
A brisa

Do meu espirro
Se faz
O furacão

Do botão sem prega
Se faz
O disco voador

E quando
O cabo da vassoura batuca

Ando de mansinho
E se fazem dias silenciosos.



Julia Duarte.