segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

A rejeição é eterna.

A carne trêmula
se esconde em trapos
de pele

A pele
se esconde em tecidos
de luxo

O luxo
se esconde em olhos
partidos

Pupilas
dilataram ao grito
de um: “Vai embora”

Cheio de dúvidas
e eterno.


Julia Duarte.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Ela.

A falta dela
me corta a carne

A voz ausente
é tão grave

A camisola
veste a cadeira

Mas a cadeira
não é ela

E mesmo assim
eu sento e me basto

A foto dela
me corta os dedos

Como se de sua pele
brotassem espinhos

Gotas de lágrimas
espremem meus orgãos

Só crescem
Não saem

Guardo o choro
embaixo do pâncreas


E se falo dela
não é obsessão

Não é culpa
nem doença.



É saudade.




Julia Duarte.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Poema Dia.

No dia 1° de dezembro começou o Poema Dia. Um projeto que reúne 28 poetas de diferentes estados e com estilos também variados. Cada um vai adotar um dia do mês para postar. Eu vou escrever no dia 20. Mas não deixem de conferir, já tem muita coisa legal lá.

http://poemadia.blogspot.com

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

...

Quando eu escrevi você
Peguei cada palavra
e lapidei

Ferí a ponta
do lápis
que se desfez em linhas retas

E pensamenos tortos

Quando eu escolhi você
Escondi minha tristeza

Coloquei versos na gaveta
E de roupas pretas se fizeram os pobres

Quando eu beijei você
Cobri o fio dos dentes com a língua

Não bebi nem fumei
Durante vinte e quatro horas

Quando eu dormi com você
Fiquei acordada
controlando a respiração

E quando você despertou
Eu já estava de batom

Quando eu me perdi de mim
Você estava em meu lugar

Usando minhas roupas
E as minhas palavras

Quando eu cansei de você
Me guardei.


Julia Duarte.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pronto, falei.

Seus cabelos
abrem portas
e batem pernas

Se apresentam
e representam
um sonho vencido

Do alto
ela me convida
para um passeio

Na sua carne
Deito de olhos
abertos

Descubro
o que ela guarda
embaixo da roupa

Sua pele
segue minha língua
Sem atalhos

Fico horas e horas
sentindo seu corpo
igual ao meu

A água na cabeceira
me faz ter certeza
que ainda sou eu

Por mais um dia.


Julia Duarte.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Um poema para uma irmã chamada Joana.

Não seja mãe
sem ter dado a luz

Desenhe aquilo
que você pode contornar

Na hora de rezar
pense em você

Arranque da carne
o prazer entrelaçado nas costelas

Sopre o pó
dos seus pés aprisionados

Caminhe
Pisoteando o tic-tac

Você pode
o que quiser

Sua estrutura é maior
que a carcaça

O alcance de seus olhos
se faz pequeno

Como qualquer
ser humano em demasia

Não acoberte com os cílios
a vista da vida

Bata na minha porta
para um café forte

E acorde para nascer de novo
só para você.


Julia Duarte.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A surpresa é o orgasmo.

Enferma
Cheia dos não-me-toques

A vida descansa
e respinga gargalhadas

Cochicha
sobre a sujeira

Não pisca
sobre a traição

Condena
pelas costas das mãos

Em orações
demolidas

O importante
é amar

Selar o beijo
e a dor

Meu pai sempre disse:

- Seja feliz.

Minha mãe sempre disse:

- Pense antes de fazer qualquer coisa.

Impossível ser feliz
se planejada a vida

A surpresa
é o orgasmo

Escondido
nas esquinas de uma vida traiçoeira

Que ordena.
E mais nada.


Julia Duarte.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Temporal.

Eu
e as nossas diferenças

não brigamos
não nos amamos

Eu esqueço
Você lembra

Eu perco o jeito

E o ar sai dos pulmões
Balança árvores

Levanta batinas

Embaralha preces

Areias
ferem canelas e olhos

Cabelos
escondem rostos

Lágrimas secam escorridas

O vento assobia
E o lixo,
o lixo rodopia para cair no mesmo lugar


Nossas diferenças passam

Sobra
eu e você

Até a próxima
tormenta.


Julia Duarte.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Às vezes decido não te amar.

Me sento
de frente para o tempo


E lembro


De quem me esculpiu
em carne
e sangue

De quem me refilou
com a ponta dos ossos
de um corpo cansado

De quem colocou a mesa
e me esperou
com a comida quente

Por noites
e noites

Lembro

De quem acordou
dormindo

Olhou pra mim
e disse:


_




Lembro até hoje
Quando volto
no tempo


Às vezes decido
ir embora

E voltar a amar você.





Julia Duarte.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um poema para aquelas pessoas que salvam vidas sem fazer força.

Meu peito já doeu muito
Senti o amor saindo pela garganta
Arranhando o verso da carne

Dormi com o coração dilatado
Batendo com pressa
para viver de uma vez

Sangrei os joelhos
de tanto implorar
o fim

Lembrei tanto
do pranto de alguém
que hoje nem lembro o nome

Encontrei você.



Julia Duarte.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Quando você não me amou.

Encolhi os braços
para encaixar no desenho que você fez de mim

Arregalei os olhos
e apertei a boca

Foi quando ví
que o recheio dos teus traços
não era eu

Cresci na melodia
da música
que você escreveu

Mas a serenata
nunca subiu
pelo pé da minha janela

Virei o enigma
de um texto hermético

Como um chumbo
que cai na água
caí na cama

Macia
de abraço certo

Chorei
e me expulsei
criança

Vomitei versos
impressos no chão

A poesia marca o tapete.



Julia Duarte.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Zero.

Para que serve o futuro
se você não consegue prever o agora?

Para que serve a resposta
se tudo que você tem são perguntas?

Enquanto isso
o passado muda a toda hora.

É como um livro que você lê
pela segunda vez.

É como uma ficha
que espera o balanço do vento para cair.

E assim, de repente.
tudo faz algum sentido.

Para que servem os planos
se a vida simplesmente acontece?

Não adianta buscar nos bolsos
dos casacos do inverno passado
o telefone do seu amor

Porque você não nasceu para repetir.
Nem casacos, nem amores.

Se o ar é fresco
o seu coração também merece ser.

Não deixe seus sonhos
recheando seu travesseiro.

Pegue uma tesoura
e fure pena por pena, sem pena.

Carregue seus sonhos
embaixo do braço.

Porque chegou a hora de usufruir.

And go.


Julia Duarte.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Casamento.

Alguém já recusou a sua companhia?
O seu convite?
O seu beijo?
O seu amor?

Você já seguiu um olho tímido?
Já fugiu de um olho vivo?

Você já imaginou alguém para imaginar com você?

Você já se imaginou casado?

Casar é imaginar quente
o que antes era solidão.

É dedicar uma estrela
por bem mais do que uma noite.

É assinar um cartão de amor
com o mesmo sobrenome 
de quem vai receber.

É se imaginar solteiro
e gostar de cair na realidade.

É entrelaçar as pernas antes de dormir.

É ter um ombro para encostar.

É fazer parte de outro corpo.


É dividir a luz da vela em cima da mesa.

É roubar a cereja da sobremesa.
Do outro.


Quer casar comigo?


Julia Duarte.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Ficar viuva é viver uma lacuna da vida.

Deu adeus ao santo
E dormiu sem rezar

De lágrimas secas
fazia-se o canto do olho
Quando acordou

Vestiu o luto
Saiu a beber
Repetindo palavras
e tremendo a voz

De caneta na mão
Se pôs a desenhar
caricaturas
Em ziquezague

Despediu-se
da garrafa
que como ela
figurava vazia

A capa preta
amorteceu os pingos grossos
quando o céu chorou
a sua volta

Já era dia
quando ela
rezou só

por um dia de sono
e uma vida
sem lacunas



Julia Duarte

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Oxidação.

De ferrugem
se faz um corpo que ressuscita

Parado
durante uma vida
acompanhando
a decomposição

de sua própria carne

Chora a alegria
de voltar

Abrir o peito
para discutir a calma
e o silêncio

De encontrar
um mundo reescrito

Pronto para receber
dobradiças
que não precisem de óleo

Deprimido
ao ranger da primeira curvatura

Cheio de palavras roucas
despede-se

Para mais um descanso.


Julia Duarte.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Ex família.

Ela me acenava
Cada vez que partia pra Porto Alegre
Quando voltava
Levantava as sobrancelhas
Mirava o queixo na minha testa
E os olhos escapavam
Por baixo das grossas lentes
De coxas macias e quentes
Eu me fartava
Ela abria um livro
Eu fechava a boca
E a rede balançava
O ar que vinha do mar
Disfarçado de brisa
Já anunciava o furacão
Mas enquanto isso
Eu voava com o timbre
De voz que percorria palavras impressas

Eram estórias
Cantadas

Eu saí do colo
E a chuva marca o tempo
Anos e anos
Desenlaçando
A família

Com desdém
Ela enterrou seu sobrenome

Em mim.


Julia Duarte.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O que virá?

Nem Deus
Ousaria me contar

Não por não querer
Ou esconder dizeres
Atrás dos lábios

Não por mistério
Crescer por conta
De um causo

De um silêncio
Que se faz vazio

E instiga
Me come
Mastiga a carne

Depois
Bate o bife
Das costas

Joga
No canto
Do canto escuro

Me tira
Um sonho
Que dorme

Amanheço
Com a boca
De formigas

E cuspo
Esvazio o peito

Busco teus olhos
Com medo
Que você
Não me busque.

O que nem Deus sabe, assusta.


Julia Duarte.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Acabou

A pedra sobre
A canela dobrada
Faz o vinco

E o brinco
Cheio de solidão
Desprende amores

A bolsa
Aberta de recordações
Ilumina a superfície

No fundo,
Marcas da canetas sem tampas
Perdem vergonhas

O risco no fundo
Implora a ida
Sem volta

Amarra o cabelo
E desdobra
A conversa no bar

Pede uma passagem
Ao garçom
De bandeja vazia

Que reflete
Olheiras de noites
Meio-dias

E o remédio acabou.

terça-feira, 27 de maio de 2008

A noite.

Mexe
E pede um gole

Dispensa
O casaco

Beija o ar
De fumaça

Sua o que
Pediu no balcão

Desliga
Do mundo

Fecha
Um olho

Abre
O outro

A caixa
Estoura

E leva
Embora

Uma alma


Estica
No cimento


E pede carona
Com o que restou.


Julia Duarte

Vem?

Arrepia o corpo
No meu

Sobe e desce
O calor

Abraça
Pele com pele

Fala baixo
No ouvido

Beija
Meu beijo

Olha
Pra cima

Me sente
De baixo

Vira
A página

Respira
O lençol

Segura
A cama

Luta
As pernas

Relaxa
Sem dor

Mexe
O pescoço

Me encontra
De olhos

Pintados



Julia Duarte

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Eu cuido da casa

Acendo a vela
Te confundo
Com o contorno
Dos móveis

Imóveis

Do livro de receitas
Me faço Chef
Da solidão
Me sirvo

Inerte

Junto
Cílios com cílios
Enrolo o terço
E me apago

De ti

Lembro
Inconsciente
Quando doente
Fico assim

Sem fim


A casa grita
No eco
Da tua ausência
Descabida

As roupas vazias

Não dançam
E descansam
Murchas
De você

Pego o terço
E mordo
E cuspo
E quebro

Pego a vela
E derreto
Até queimar
Os dedos

Abro a bíblia
E faço de cada
Página

Mil
Pe-da-ci-nhos






Julia Duarte.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Acredita.

Cospe em pautas de música
Acredita o teu sangue

Sangra o lápis
Na ponta dos dedos
E acredita a tua dor

Treme o músculo
no ritmo do palco
E acredita a tua fadiga

Chama o teu suor
Em volta da fogueira
E acredita a tua chuva

Carrega o teu filho
Nas costas deitadas
E acredita a tua vida

Convoca os santos
Espanta a noite
E acredita a tua alma

Guarda um segredo
Faz dele uma arma
E acredita o teu mistério

Vomita a tua culpa
Vai embora para sempre
E acredita na leveza



Julia Duarte.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Lembro

Lembro do adeus
Que guardei
Nas mãos
Que não acenaram

Lembro do beijo
Que carrego
Até hoje
Dentro da boca

Lembro da carta
Que guardo
No guardanapo
Amassado

Lembro da foto
Recém tirada
Com a dedicatória
Em branco

Lembro da noite
Triste
Que ensaiei
A serenata

Lembro da dor
Que guardo nas costas
Embaixo da nuca
Pelada

Lembro do amor
Que nunca te dei


Lembro de você
E sufoco.


Julia Duarte.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Passado.

Passou o dia
E os postes que iluminam

Passou a chuva
Com pressa

Passou o chão
Em lágrimas

Passou o bêbado
Na rua tremida

Passou a puta
Na esquina sozinha

Passou o meio fio
Que virou um

Passou a criança
Com fome

Passou o velho
Querendo voltar

Passou a dona
Cheia de brilho

Passou a placa
Pichada

Passou o passado

E o cheiro de molhado
Sobe no asfalto.




Julia Duarte.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Entregue.

Entregue você
O que tem de mais valioso

Entregue um beijo

Entregue uma palavra
Sem dor

Um convite
Para ir ao aeroporto
E sonhar

Entregue você
O que guardou durante anos

Esvazie

Entregue um giz de cera
Colorido

Entregue a janela
Aberta

Entregue um filme
Sem legenda

Se entregue

Abra os braços
No abraço

Entregue um tempo
Qualquer

Depois
Preencha tudo de novo


Julia Duarte

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Fica comigo.

Beija-me
Abraça-me

Me sinto bem assim
Com você

Acena
do teu amor
para o meu

Porque eu também amo
Sabia?

Mesmo depois
De cair
no engano da vida mansa

Dança
Comigo a poesia dos lábios

A chegada
Da carne quente

Ausente de qualquer lágrima

Um presente
É você

Cada vez que abre os olhos
Entra em mim

Em um mar sem fim
Me afogo no desejo

Tiro o pó da alma
Busco o ar
Encontro seus olhos no alto

Para você
Que visitou minha solidão

E lá ficou
Sem pressa

Na companhia
Dos passos

E como eu gosto.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Dois pra lá

Eu era uma zebra
Preto no branco
Branco no preto

Cor sim
Cor não

Beijava o vento
Deitava na grama
Corria sem dó

De ser só

Pulei a cerca
Desfiz o vestido da moça
Adormecida de susto

Fugi da baia

Sequei a saliva
De tanto correr
De tanto querer morrer

Não é fácil
Viver pela metade
Chorar de saudade

Mandei telegramas
E nada descobri
Órfão desde sempre

Chorei

Zoológico
É o Carandiru dos animais
Morri de mim

Encontrei o menino
Que me ensinou a dançar
Dois pra lá, dois pra cá

E comecei a viver
No circo

E lá
Trabalhava um mágico
Que também era empacotador de supermercado

Ela fazia tudo desaparecer

Implorei
Mas ele negou
Paguei
Mas ele não aceitou

Decidi

Dar uma de equilibrista

Herdei ainda mais listras
Marcas da rede de proteção

Que me devolveu
Para sempre

Deu zebra.

quinta-feira, 27 de março de 2008

J & J

Eu guardei acordes
Um gole d’água antes de dormir
Um guardanapo em branco

Eu guardei o tempo
Mas ele se foi
Se despediu

Com a pressa
Dos ponteiros

Mas eu corri atrás
Da canção

De frente para o palco
Decorei a cena
E cada detalhe seu

Para repassar
Até a sua volta

O canto da sua boca
ainda sorri para mim

Eu comentei
Para mim

Sorri
Para mim

Porque você não estava

E eu não quis
Te substituir

Reservei
Um lugar só seu

Um sonho só meu
De alguém que se foi

Deixou lembranças
E fé

A esperança de errar
De novo
Ainda está contigo

De rir
No silêncio da dor

De esticar as pernas para cima
E sentir a leveza
De se descobrir bem

Então,
Meu bem

Eu guardei tanto para você
Que mal cabe em uma garrafa de vinho

Mas o seu lugar
Ainda vazio
Está aqui

E se hoje eu choro
É de felicidade

Porque falta pouco
Para você voltar

Não vou mais pensar em você
Vou ter você

De novo.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Flores

Ela fechou a porta
A outra dormiu os olhos por um segundo

Ela prometeu não voltar
A outra chorou de amor

Ela deixou seu cheiro
A outra sentiu saudades

Ela deixou um bilhete
A outra não leu

Ela não ligou
A outra herdou o silêncio

Ela foi procurar seu tempo
A outra ficou sem ar

Ela disse que voltaria um dia
A outra acreditou

Ela se entregou para alguém
A outra cobriu o rosto com a palma da mão

Ela dançou seu corpo em outras pernas
A outra se perdeu

Ela sorriu
A outra dormiu para sempre

Ela comprou flores
A outra gelou

Ela foi dizer adeus
A outra não se mexeu

Ela abraçou
A outra não sentiu

Ela fechou os olhos da outra
E a outra não abriu

sexta-feira, 14 de março de 2008

Beijo

Um beijo é pluma

E apesar do sonho meu

Escapa para o céu


Um beijo é doce

Quando a língua passeia pelos lábios

Até que o açúcar acabe


Um beijo é verdade

Depois de unir os lábios

Se unem olhares fixos


Um beijo é ilusão

Você encontra uma outra língua

no escuro do sono solto


Um beijo é paixão

O tempo não passa

E você gruda


Um beijo é despedida

As bocas descolam

Para a lágrima passar


Um beijo é culpa

Mal acontece

Em virtude do que já foi


Um beijo é o que você quiser.

terça-feira, 4 de março de 2008

P-a-l-a-v-r-a

Eu pego cada palavra sua

E desmaio


Letra por letra

Sem som

Sem métrica


Na estética da imaginação

Que cresce em segredo


Palavras que viram música

Aos poucos

Ao pé do ouvido


Que pede o beijo

E encosta no travesseiro

Que me abraça para sempre


De olhos fechados

Suas palavras ecoam

Opiniões


Porque a verdade só eu sei


É bom ter apenas a metade do mundo

E assim procuro todo o resto quando abro a janela

Os olhos

Os braços

As pernas


Para você entrar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Hoje

Quero tomar um café com você

Em Bajo Caracoles

Bem na época em que de lá o vento foge


Quero encontrar seus dedos

passeando pelos grãos de açúcar caídos na mesa


Depois de um tempo,

Se houver alguma chance, você estará um gelo

Pouco à vontade

Pela saudade que sopra qualquer palavra boba


Ou então,

vai procurar meus olhos

assim que tirar o óculos


E, em um corredor de ar,

Vai me dizer tudo

Em silêncio


Talvez me mande embora

pague a minha passagem de volta
para não se incomodar


Você poderia me visitar

Jogar na minha cara tudo que fiz

Chorar a dor

E me beijar de amor


Quem sabe mandar um recado?

Eu poderia mandar uma carta


Só para você abrir

E descobrir o meu amor

Como se fosse novidade


E se você não abrir?

Eu viajo para longe

Esqueço o seu endereço

O seu nome e o seu cheiro


Eu podia parar de pensar

E agir na sua direção

Mesmo que não adiante

Mesmo que eu sinta medo


Eu só queria me encontrar em você.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Um par.

Me convidei para passear

E foi tão bom

E foi tão ruim



Os dedos dos pés molharam na grama

Congelaram com o tempo

Ficaram duros como pedra



As pernas

(de fora)

Corriam para esquentar

Ou fugiam para não entrar na casa



Vazia



Contei as horas

Os minutos

E todos meus segredos



Para o alto do muro



Com a mão direita

Toquei o ombro esquerdo

Com a mão esquerda

Toquei o ombro direito

Joguei a cabeça para cima



E esperei



Mas por trás do muro não havia ninguém



Molhei os joelhos na grama

Agarrei o escapulário

Juntei as mãos e pedi:





Um par de olhos

Para me cuidar enquanto durmo



Um par de mãos

Para me puxar de volta quando eu quiser partir



Um par de pernas

Para me abraçar durante as noites



E ganhei




Um par de silêncio

Em meus ouvidos





Julia Duarte

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Socorro

O cérebro esquentou a noite

Aprisionou seu sono


Com linhas pretas

E uma agulha

Há de costurar a ferida


Enquanto a repulsa morre

E aos poucos seus olhos abrem

O cheiro de vida levanta

Como poeira que sobe


Para espirrar a dor

É preciso um tanto de liberdade


Foi quando saiu dos cantos

Removeu suas células perdidas

E pediu socorro


Mal sabia que colocar o vírus para fora

É dar as mãos para as cores

E largar as dores


Julia Duarte

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Para sempre.

“Eu estou pronta para ser feliz”
Disse ela com uma bolsa na mão.

Saiu para ver o mar
Escreveu linhas e linhas na areia.
Esperou a onda apagar
Guardou a lágrima atrás dos olhos
E foi embora para sempre

Disse ao taxista que tinha uma fantasia
Mostrou as pernas tenras
Molhou os lábios com a lingua
Descansou a mão no seio esquerdo

Era dor no coração

Pediu para descer antes
Cobriu as pernas enquanto andava desolada

Quando o vento nasceu de costas para o mar
Veio de repente a força que balançou sua blusa
Como se fosse uma cortina
Foi então que apareceu a janela de sua alma

E ela resolveu voltar para sempre


Julia Duarte

Vivo só.

Era uma tarde desesperada

No vento
A porta dançava
Enquanto ele escrevia

Entre virgulas
O nosso amor nascia
Dando adeus a mais uma página
Em branco

Enchia os pulões de mim
No cigarro que segurava com o indicador e o dedão
E apagava na sola da bota
Amontoando um cancer no cinzeiro

“você já pensou em ir embora?’’
Sua voz morreu em meu silêncio

Ele é que pensava em partir
Hoje sei o covarde que era
Antes de dormir ao meu lado
Mal me olhava no olho

“Eu te amo”
E o amor dele morria quando terminava de pronunciar o “o”.

Sequei de amor
E vivo só

Não me amo mais do que um segundo
Que acaba quase antes de começar.


Julia Duarte

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Para não perder o costume

O meu peito dói quando eu toco
E eu sempre toco
De cinco em cinco minutos
Dou uma cutucada